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Por Luís Patriani
Esta reportagem foi produzida em colaboração com a Mongabay para aumentar a conscientização sobre tópicos relevantes para a próxima Conferência Digital Global Landscapes Forum Amazônia: Ponto de Inflexão (21 a 23 de setembro de 2021).
Presente na Terra desde a época do Jurássico, a araucária passou por diferentes eras geológicas, sobreviveu a eventos como a divisão do supercontinente Gondwana, mas sucumbe ante a motosserra.
Em um século de extrativismo descontrolado, o também chamado pinheiro-do-paraná viu seu habitat, a Floresta Ombrófila Mista, um ecossistema da Mata Atlântica que cobria grandes extensões no sul do país, se reduzir a pequenos fragmentos sem conectividade.
No Paraná, onde é símbolo do estado e até originou o nome da capital Curitiba (em tupi-guarani, seu nome significa “pinheiral”), restam apenas 0,8% dos remanescentes em bom estado de conservação, o que significa 60 mil hectares dos 8 milhões originais que existiam no estado.
Em sentido contrário à cultura do desmatamento responsável pela entrada da araucária na lista das espécies em risco crítico de extinção, projetos do terceiro setor buscam reverter esse cenário.
Um dos mais inspiradores é o Conexão Araucária, criado e executado no sudeste e centro-sul do Paraná desde 2018 pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
A organização não governamental, que também atua na conservação de áreas naturais contíguas na Serra do Mar entre Santa Catarina, Paraná e São Paulo, aproveitou a abertura de um edital do BNDES destinado à restauração ecológica da Mata Atlântica para colocar em prática seu modelo de produção de natureza.
O projeto parte do princípio de que uma área nativa bem conservada pode movimentar a economia e ser um ativo financeiro tão importante quanto as áreas destinadas à produção agrícola.
“Nossa proposta, além de oferecer ao produtor a estratégia de restauração dentro do Programa de Regularização de Áreas Degradadas (Prad), visa o reestabelecimento dos serviços ecossistêmicos, que são benefícios recebidos da natureza e vitais ao bem-estar humano e às atividades econômicas. Um exemplo é a provisão de recursos hídricos que se estabelecem com recuperação de nascentes em uma área bem conservada”, diz a bióloga Vitória Yamada, coordenadora do projeto.
Segundo Yamada, além de implantar ações de restauração, a SPVS estimula iniciativas de apoio à conservação, ambos componentes necessários a boa gestão do território. O trabalho proporciona ainda atividades de educação ambiental e conscientização sobre o valor intrínseco da natureza. “Nós oferecemos e implantamos gratuitamente o plano de restauração, e em contrapartida o produtor, em geral, aumenta a área de proteção para além da estabelecida em lei, que varia entre 5 e 30 metros nas faixas nos entornos dos rios, e faz a manutenção das cercas e das mudas ao longo dos anos”.
A meta inicial do projeto busca restaurar 335 hectares e plantar 250 mil mudas de plantas nativas da Floresta Ombrófila Mista até maio de 2023, distribuídas em Unidades de Conservação e Áreas de Preservação Permanente (APPs) de pequenas propriedades agrícolas, onde se encontram a grande maioria dos fragmentos no planalto do Paraná.
“Sabemos que este projeto isoladamente não vai mudar o cenário que ameaça a Floresta com Araucária. Mas esta iniciativa é como uma semente para sensibilizar produtores, empresários e gestores públicos a aderirem a uma nova percepção sobre a importância das áreas naturais bem conservadas para a economia e a qualidade de vida de toda a sociedade”, diz Yamada.
Estrategicamente, o replantio e a colocação de cercas para evitar o pisoteio de animais é priorizado em matas ciliares e entorno de nascentes, criando as condições para a conexão entre os remanescentes do ecossistema, formando pequenos corredores ecológicos por meio das APPs. A expectativa em longo prazo visa o retorno da biodiversidade local e o aumento do fluxo gênico das espécies através da comunicação de populações de plantas e animais.
O Conexão Araucária conta com o apoio financeiro e operacional da Japan Tobacco International, empresa que se abastece do tabaco cultivado por produtores parceiros na região; é ela quem faz o primeiro contato com os agricultores, apresentando o projeto. Já o fornecimento das mudas é feito pelo Instituto Água e Terra (órgão ambiental do estado do Paraná) e, complementarmente, pela Sociedade Chauá, que trabalha com espécies raras e ameaçadas de extinção da Floresta Ombrófila Mista.
Em campo, o depoimento dos agricultores revela a eficiência do projeto em pouco mais de três anos de atuação, em que já foram restaurados cerca de 240 hectares. Geraldo Moutim, cuja propriedade fica no município de Rio Azul, tinha suas nascentes assoreadas devido ao pisoteio constante do gado. “Os técnicos vieram e reflorestaram as nascentes com plantas nativas e depois cercaram a área. Já percebo um aumento da água e em mais quatro anos esperamos um fluxo bem maior dentro da nossa propriedade”, conta.
Clavir João Antochechen, por sua vez, que cultiva tabaco, milho, soja e feijão no seu sítio no município de Paulo Frontin, aderiu ao programa e viu a mata ciliar mais do que dobrar de tamanho com o plantio de ipês, imbuias, ervas-mate, cedros e muitas araucárias. “Como o restauro veio sem custo nós resolvemos aumentar a área de sete metros de vegetação nativa em volta da nascente para 15 metros, que é o que a lei ambiental pede”.
As projeções futuras do Conexão Araucária envolvem passos estratégicos ambiciosos que podem ampliar a atuação do projeto para além de áreas pontuais das regiões sudeste e centro-sul do Paraná e atingir o planalto sul do país. Os desafios, no entanto, são grandes.
Cofundador e diretor executivo da SPVS, Clóvis Ricardo Schrappe Borges, apesar de crítico das atuais políticas ambientais do Brasil, vê uma perspectiva de adesão maior se o argumento de preservação tiver o viés da monetarização.
“Nossa sociedade ainda não entende a conservação da natureza como parceria. Esses remanescentes naturais representam o interesse público da propriedade privada, que é justamente o cumprimento do Código Florestal”, explica Schrappe. “São projetos demonstrativos como o Conexão Araucária que representam iniciativas precursoras para gerar resultados em grande escala. Temos uma grande oportunidade para reverter o cenário da degradação da natureza ao tornar as áreas naturais em ativos econômicos, que podem ser conquistados a partir da boa conservação”.
De acordo com o ambientalista, o mecanismo financeiro pode ser feito através de instrumentos como o desmatamento evitado, em que proprietários com áreas conservadas recebem pagamentos por serviços ambientais para manter a área natural em pé, assim como o ICMS Ecológico, ativado quando municípios que detêm áreas naturais bem conservadas ganham parcelas maiores dos recursos arrecadados pelos estados através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
“O Paraná é campeão do desmatamento em Mata Atlântica no Brasil, considerando os últimos vinte anos”, diz Schrappe. “Nós continuamos a destruir os poucos remanescentes naturais que ainda existem. É uma cultura ultrapassada na qual as áreas naturais representam um atrapalho ao desenvolvimento. O desafio é conseguir cada vez maior aderência e apoio de toda a sociedade sobre a importância da conservação. Um entendimento no qual as áreas naturais passam a fazer parte do próprio negócio”.
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