Depois de oficina editorial, povo Xakriabá vai lançar seus próprios livros

O Povo Xikriabá aprende novas habilidades e tem como objetivo publicar livros que apresentem sua cultura
15 setembro 2021

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  • A oficina Fazer Livros (KMÃNÃÑ HÊSUKA) permitiu aos Xakriabá conhecer todas as etapas do processo editorial e produzir suas próprias publicações; a indigenização dos livros foi o foco do processo.
  • Os Xakriabá são o mais numeroso povo indígena de Minas Gerais, com cerca de 9 mil pessoas distribuídas em duas terras indígenas no norte do estado.
  • Cinco livros serão lançados este ano como resultado da oficina; os temas incluem cantos cerimoniais, histórias orais, técnicas de marcenaria e uma biografia do cacique Rodrigão, uma das principais lideranças Xakriabá.

Por Matheus Lopes Quirino

Esta reportagem foi produzida em colaboração com a Mongabay para aumentar a conscientização sobre tópicos relevantes para a próxima Conferência Digital Global Landscapes Forum Amazônia: Ponto de Inflexão (21 a 23 de setembro de 2021).

Logo mais o cacique Rodrigão terá um livro sobre si. A história, contada, ilustrada e impressa, está na fase final de produção, com edição dos próprios Xakriabá. Mais numeroso povo indígena hoje no estado de Minas Gerais, com cerca de 9 mil pessoas, eles estão acertando os últimos detalhes do projeto Fazer Livros – KMÃNÃÑ HÊSUKA, na língua Xakriabá. São cinco títulos que tratam de temas diversos, da produção manual às tradições, com previsão para lançamento até o final do ano.

Falecido em 2003, Manoel Gomes de Oliveira, também conhecido como Rodrigão, tornou-se um dos principais ativistas pela luta dos direitos do povo Xakriabá, criador do conselho que passou a reunir lideranças de cada uma das 32 aldeias do território Xakriabá, composto por duas terras indígenas no município de São João das Missões, norte de Minas Gerais. A mais antiga foi homologada apenas em 1987, mesmo ano em que o cacique Rosalino foi assassinado por grileiros.

À criação da Terra Indígena Xakriabá, seguiu-se a implantação de iniciativas como o pioneiro Programa de Implantação de Escolas Indígenas de Minas Gerais em 1997, uma realidade que até hoje expande horizontes dos Xakriabá. Das 34 escolas que funcionam no território e seus projetos de prática em saberes culturais, já surgiram uma rádio indígena e um jornal impresso. Agora, chegou a vez dos livros.

“Trabalhar com livros sempre foi um desejo. Lidar com o processo editorial tem sido muito bom, principalmente quando se tem uma troca com o pessoal de diferentes idades”, conta um dos responsáveis pela oficina de produção de livros, o professor indígena Joel Gomes Xakriabá. Na primeira edição, o Fazer Livros uniu pessoas de diversas aldeias da TI Xakriabá. “Conseguimos, através de um edital de captação pela Lei Aldir Blanc , recursos para pôr de pé uma gráfica. Vamos imprimir os livros aqui mesmo”, completa Joel.

Por causa da pandemia de covid-19, as oficinas ocorreram de modo remoto.
Por causa da pandemia de covid-19, as oficinas ocorreram de modo remoto.

A importância da indigenização dos livros, incluindo todas as etapas do projeto editorial, foi o centro da discussão do grupo que participou da oficina, alicerçado pela equipe do Ponto de Cultura Loas Xakriabá. “No princípio, os Xakriabá nos procuraram para aprenderem o processo de diagramação. Em contraproposta, nós oferecemos um módulo sobre produção editorial”, conta o arquiteto Felipe Carnevalli, da Piseagrama, editora que apoiou o projeto. “A ideia do curso foi ampliada, virou uma oficina seriada, o Fazer Livros, que virou um projeto para ser replicado em outras aldeias, outros lugares.” Ao fim, o que era para ser um livro se desdobrou em cinco títulos, com produção artesanal.

Em entrevista coletiva à Mongabay, alguns dos doze participantes do projeto confessaram estar ansiosos com a finalização dos trabalhos. São cinco livros em português divididos por temáticas, entre elas a reunião das Loas, tradicional canto das cerimonias nupciais dos Xakriabá; as “Histórias e memórias”, que vão reunir as principais fábulas da cultura oral; um livro sobre marcenaria, técnica  bastante difundida no território; os livro dos Cantos; e, claro, a biografia do cacique Rodrigão.

“Eu fiquei responsável pela diagramação dos livros, foi uma coisa que eu nunca tinha feito e aprendi aqui”, conta com entusiasmo o pequeno Kelvis Xakriabá, de 13 anos, que aprendeu a usar o software InDesign. Do livro das histórias, Kelvin reconhece que descobriu algumas novidades. “A gente acaba conhecendo e até relembrando muito do que contavam pra gente quando pequeno”. Com uma forte tradição oral, o livro das histórias, por exemplo, é uma obra híbrida, que conta com texto e ilustrações, estas últimas fruto do trabalho de dois jovens do Ensino Médio de uma das escolas indígenas da região.

Durante a oficina, os participantes aprenderam a utilizar softwares de diagramação. Foto: Fazer Livros/divulgação
Durante a oficina, os participantes aprenderam a utilizar softwares de diagramação. Foto: Fazer Livros/divulgação

O projeto do Ponto de Cultura, coordenado por Joel, começou nas aldeias em 2010. De lá para cá, em parceria com a Casa de Cultura Xakriabá, os programas culturais têm mobilizado professores indígenas, alunos e interessados em contribuir com a preservação da língua, cultura e tradições do povo Xakriabá. Para Diana Pereira, professora indígena especialista em estudos de linguagens, é louvável que a cultura oral possa ser transposta para o papel. “Fiquei responsável pela análise dos textos do Percurso, para que fossem respeitadas a fala e o modo como se contam as histórias no território”, diz ela.

Segundo Pereira, o intercâmbio cultural conseguido nos Percursos – trabalhos de campo, coleta de material e criação dos textos – é uma ponte entre as novas e as antigas gerações. Ao final do processo, os livros irão para as  bibliotecas das escolas das aldeias. Joel planeja também criar um site, para que todos fora do território dos Xakriabá possam conhecer as histórias desse povo.

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