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As fotos abaixo foram enviadas por Marcia Riva, associada à COOTAP.
Em maio, o Rio Grande do Sul, estado no extremo-sul do Brasil, foi afetado pelas piores enchentes do país em quase um século, somando 180 mortes e deixando mais de 600.000 desabrigados.
Agora, gaúchos – e especialmente agricultores familiares – enfrentam um longo caminho para a recuperação.
“Historicamente, nós abastecemos a cidade com alimentos limpos”, conta Marcia Riva, uma agricultora familiar que trabalha na Pão da Terra, uma padaria que produz alimentos orgânicos e é vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio Grande do Sul (MST-RS) e à Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP).
“Hoje, não temos uma plantinha pra fazer chá – não temos mais nada”.
Riva é uma das 420 famílias associadas à COOTAP que tiveram perdas por conta das inundações.
“É mais do que perder nossa produção – é perder nossa referência”, ela diz, com a voz embargada. “É perder nossa história, que foi duramente machucada pela crise climática.”
A agricultura familiar, que está na ponta da produção de alimentos, amarga perdas no Rio Grande do Sul. Um levantamento da Emater do estado, divulgado no final de maio deste ano, contabiliza mais de 206 mil propriedades rurais afetadas, com mais de 19 mil famílias somando perdas parciais ou totais na produção.
70% das cooperativas formadas por agricultores familiares do estado reportaram prejuízos na comercialização, com produtos perdidos e dificuldade de escoar a produção. Elas têm se organizado para reconstruir o que é possível e para se prepararem a possíveis cenários similares no futuro – agora, na iminência de estiagens, com a chegada do La Niña.
Para Riva, falar sobre o ocorrido ainda é difícil – mas, nas palavras dela, “mexer também cura”.
A propriedade da agricultora é localizada no Assentamento Integração Gaúcha, na cidade de Eldorado do Sul – que foi o município do estado mais afetado pelas enchentes, onde 80,8% dos domicílios ficaram submersos.
A COOTAP sofreu perdas acima de R$ 11 milhões, considerando equipamentos e infraestrutura, de acordo com o presidente da entidade, Nelson Krupinski.
A cooperativa, que opera em 17 municípios e 35 assentamentos no Rio Grande do Sul, é ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que promove a reforma agrária, práticas agroecológicas e melhora a condição de vida em áreas rurais.
Menos de seis meses depois de uma enchente severa em novembro de 2023, a sede, maquinário, loja, agropecuária, depósito, veículos e câmara fria da cooperativa sofreram com as inundações deste ano.
Agora, a cooperativa reporta que 86 mil sacas de arroz certificado orgânico ainda não colhido foram perdidas – o que representa 25% da produção.
Muitos prejuízos ainda nem conseguem ser contabilizados, pois exigem uma auditoria especializada, sobretudo no que se refere à análise de solo e irrigação.
Diante do cenário, Krupinski afirma que a cooperativa está em contato com o governo federal, via Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), para pleitear dinheiro para reinvestimentos, e não apenas para créditos agrícolas.
“Não adianta perdoar dívida e o agricultor não ter de onde reinvestir”, afirma.
Está em votação na Comissão de Agricultura do Senado Federal um projeto que perdoa dívidas de agricultores gaúchos e posterga vencimentos de parcelas de financiamentos rurais nos municípios atingidos pela enchente. O Ministério da Fazenda também concedeu descontos de até 30% para novos financiamentos contratados via Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf) realizados até 31 de dezembro.
Nelson comenta que a pauta da cooperativa esteve voltada, primeiramente, à renegociação de dívidas e à busca de investimento para a reconstrução. Eles disponibilizaram ajuda psicológica na sede da cooperativa para que os associados fossem atendidos após os eventos extremos.
Diante do cenário, o objetivo da cooperativa é manter a proposta da produção agroecológica de pé.
“Vamos fortalecer e manter de pé o projeto de produção orgânica de base agroecológica dos nossos assentamentos. Essa é a nossa bandeira. Vamos provar que é possível produzir em larga escala para alimentar a sociedade brasileira”, ressalta.
“Queremos reafirmar o projeto, embora os agricultores que tenham sofrido a enchente não são os que a provocaram”, conclui Krupinski.
Em outra parte do Rio Grande do Sul, no litoral norte, outra cooperativa incentiva a transição agroecológica de seus cooperados para promover resiliência climática.
Dos 308 membros da Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (Coomafitt), 15% já têm a certificação orgânica.
Mas obter a certificação ainda é visto como arriscado e caro por agricultores, e a cooperativa enfrenta desafios na transição, de acordo com o tesoureiro e coordenador de projetos da Coomafitt, Michel Lara de Oliveira.
“Há muitos estudos que mostram que os agricultores agroecológicos são mais resilientes a desastres climáticos. Notamos mais perdas em agricultores convencionais na cooperativa”, afirma Lara.
Como incentivo, eles pagam 15% a mais aos cooperados que estão em transição para a produção orgânica, mesmo que tenham que vender os produtos ao mercado, durante essa transição, como convencionais.
“Desde março de 2023, tivemos cinco enchentes aqui no Vale do Rio Três Forquilhas, embora ainda sejamos uma das regiões do estado com mais áreas florestais preservadas”, comenta o tesoureiro da COOMAFITT. Diante desse cenário, Lara reforça que é preciso trabalhar a transição para aumentar a resiliência dos agricultores e dos cultivos.
Para Lara, outro ponto em discussão na cooperativa é uma crítica em relação ao modelo de concessão de créditos à agricultura familiar. Atualmente, o dinheiro é voltado mais a propriedades individuais, o que se torna desgastante em longo prazo.
“Vemos que os agricultores familiares já tinham empréstimos e depois retiram mais empréstimos para pagar o prejuízo do evento climático extremo – e assim sucessivamente. Então, eles estão sempre endividados”, pontua.
Para ele, a solução seria conceder crédito a organizações, em um modelo que incentive o cooperativismo e o associativismo, em vez de diretamente aos agricultores. Isso pode reduzir o risco aos produtores e incentivar a adoção de outros modelos de produção.
Apesar dos benefícios aos seus membros, cooperativas brasileiras majoritariamente dependem de políticas públicas para comercializar seus produtos.
Uma rede de cooperativas no Rio Grande do Sul deseja potencializar políticas sistêmicas que abastecem a merenda de escolas públicas com produtos oriundos da agricultura familiar – por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – e as compras públicas em municípios e estados – por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A Associação da Rede de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Rio Grande do Sul (Redecoop-RS) abarca 52 cooperativas que somam 12 mil famílias impactadas.
O coordenador da entidade, Bruno Engel Justin, enfatiza o papel das cooperativas na garantia de compra da produção dos agricultores associados, além de ressaltar a importância do incentivo à transição ecológica como forma de aumentar a resiliência climática.
“A prática de sustentabilidade tem que ser mais permanente e isso pode e deve ser aplicado pelas cooperativas. Elas têm o papel de organizar a produção, então criar estratégias de incentivo à agroecologia via cooperativas é efetivo”, explica.
Considerando os cenários extremos vividos no sul do Brasil, ele completa que é crucial amarrar a demanda de mercado com políticas públicas eficientes, além de incluir a emergência climática dentro da formulação de políticas a nível estadual e federal.
Este ano, o Plano Safra, que é o maior programa brasileiro de financiamento da agricultura – tanto voltado a grandes quanto a médios e pequenos produtores -, aportou R$ 85,7 bilhões a agricultores familiares, aumento de 10% em relação ao ciclo anterior.
O montante inclui R$ 76 bilhões em crédito rural para investimentos, novos equipamentos e comercialização – 43% a mais do que há dois anos.
Visando ao incentivo da transição agroecológica, o programa também promove taxas de juros reduzidas para a produção orgânica, agroecológica e de produtos da sociobiodiversidade.
Movimentos sociais ainda apontam que os valores são insuficientes, considerando a demanda e as necessidades do setor.
De acordo com a Secretária de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ana Terra Reis, é preciso pautar a construção de outros modelos de produção no Brasil.
“Entendemos que o cooperativismo e a agroecologia são formas de fazer agricultura que dão conta dos riscos climáticos”, pontua.
Em relação às críticas quanto ao aporte menor à agricultura familiar, sobretudo de base agroecológica, ela afirma: “De fato, a gente não pode esquecer que essa condição dos valores ofertados à agricultura familiar é histórico.”
A secretária cita que, historicamente, a agricultura familiar recebe 20% dos recursos, enquanto o agronegócio, os 80% restantes. “Esse é um modelo que tem sido construído como legado de um Brasil colonial”, explica.
“Temos um compromisso da nossa secretaria de fomentar agroecologia e cooperativismo, incentivar outros modelos de produção. Nesse sentido, o Rio Grande do Sul sempre foi um farol para o resto do Brasil em termos de cooperativismo e de agroecologia”, expõe Terra.
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