This post is also available in: Inglês Espanhol
Bélgica e França podem argumentar sobre quem inventou a batata frita, mas quem descobriu a batata?
Das aproximadamente 4.000 espécies documentadas de batatas, mais de 2.300 – a maioria delas nativas – se encontram no Peru.
O país é o coração mundial das batatas, onde o alimento foi domesticado pela primeira vez há 10.000 anos e ainda ocupa um lugar de destaque na gastronomia peruana.
A produção de batatas está profundamente arraigada na cultura andina, e entre variedades nativas e comerciais, representa 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do Peru.
Essa indústria multibilionária sobreviverá, porém, à crise do clima? As precipitações irregulares e o aumento das geadas representam grandes riscos aos agricultores, cuja produção nativa se concentra, sobretudo, em regiões montanhosas.
Apesar dos desafios, produtores, pesquisadores e o governo peruano desenvolvem formas inovadoras de preservar a biodiversidade genética de batatas nativas do país.
Os agricultores peruanos estão se adaptando à crise climática plantando e cultivando batatas nativas a altitudes cada vez mais altas, especialmente nos departamentos de Cusco, Puno, Ayacucho e Apurímac, localizados nos Andes, na parte sul do país.
Os agricultores andinos já estão conscientes do impacto das mudanças climáticas, pois experenciam secas cada vez mais frequentes e prolongadas, assim como geadas e granizo.
Segundo Raymundo Gutiérrez Rosales, consultor técnico e especialista em batatas do Instituto Nacional de Inovação Agrária do Peru (INIA), alguns agricultores que semeavam a 3.800 metros acima do mar elevaram o cultivo para entre 4.000 e 4.100 metros.
“Mas há um momento em que eles não vão poder subir mais”, alerta Gutiérrez.
Gutiérrez também sinaliza que a construção de rodovias provocou uma redução na preservação de espécies nativas. À medida que os agricultores desfrutam de maior acesso aos mercados, eles são incentivados a concentrar a produção em variedades destinadas ao consumo e à produção industrial.
“A conexão do agricultor com o mercado faz com que se perca essa biodiversidade genética”, pontua.
Segundo Miguel Quevedo Bacigalupo, especialista em batatas nativas do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Irrigação do Peru (Midagri, na sigla em espanhol), já se observam mudanças na preservação de batatas nativas devido a iniciativas promovidas por instituições de agricultores, institutos de pesquisa, governo e demandas mercadológicas.
Como exemplo, muitos agricultores já industrializam seus produtos e preservam mais espécies.
Conforme o censo agrário nacional mais recente do Peru, que data de 2012, são cultivados 324.000 hectares de batatas comerciais e 70.000 hectares com variedades nativas. O último levantamento foi o primeiro a mensurar a área dedicada às batatas nativas.
O rendimento de terras cultiváveis destinadas às batatas, no entanto, também sofreu devido aos efeitos do fenômeno El Niño, que está se tornando mais severo devido à crise climática. Isso inclui um aumento nas pragas que afetam tanto os cultivos comerciais quanto nativos.
“O rendimento pode cair 30% a 40% e também podem ser reduzidos o tamanho dos tubérculos”, afirma Quevedo.
Como resultado, é crucial que os agricultores se associem com pesquisadores para preservar a diversidade genética das batatas do Peru e introduzir melhorias para garantir a produção à medida que o clima se torna mais quente.
O Centro Internacional da Batata (CIP na sigla em espanhol) desempenha um papel central na preservação da diversidade genética das batatas nativas peruanas.
Julian Soto é assistente de pesquisa e está à frente do banco de germoplasma do CIP, que abriga espécies nativas e material geneticamente melhorado.
Ele afirma que a organização colabora com agricultores e comunidades locais e busca ganhar a confiança dos produtores para plantar em seus campos.
Durante os últimos 30 anos, a organização conservou a biodiversidade que, de outro modo, poderia ter sido perdida devido à crise do clima e à influência do mercado.
Soto enfatiza que os agricultores desempenham um papel fundamental nesse processo, uma vez que o desejo de conservação que parte deles impulsiona o CIP a repatriar as sementes – ou seja, devolvê-las ao solo, onde são conservadas in loco pelas comunidades.
“Se o agricultor deixar de semear ou de conservar, vai se perder a biodiversidade, não importa o que façam os institutos de conservação ou os pesquisadores”, afirma.
“Também tratamos que a repatriação seja feita à comunidade, não a um agricultor. Então queremos que eles semeiem em terrenos da comunidade”, reforça.
Desde o início do programa de conservação, em 1992, o CIP atendeu a mais de 150 das 6.000 comunidades no Peru que sobrevivem do cultivo de batatas.
“Mesmo que aumentemos nossa capacidade de trabalho, nunca atenderemos a todas. Por isso, o programa tem que ser participativo e queremos que as sementes sejam das comunidades: para que eles se tornem difusores, não apenas beneficiários”, explica Soto.
Entre as medidas de incentivo à conservação que já foram implementadas tanto pelo CIP quanto por outras entidades, os concursos são muito populares. Mas Soto vê prós e contras nessa ação.
“Como há prêmios, há competição. Então, os agricultores começam a guardar as sementes, em vez de compartilhá-las”, observa.
Como exemplo de boas práticas, ele cita o Encontro Anual de Guardiões, promovido pela Associação de Guardiões de Batatas Nativas do Peru (Aguapan), que se encontra com o objetivo prioritário de compartilhar as sementes entre si. Os agricultores do grupo possuem, em média, 150 variedades cada um.
Um dos principais obstáculos para a conservação de batatas nativas é o êxodo rural, especialmente entre os jovens.
Segundo o censo agrário mais recente do Peru, a maioria dos agricultores do país tem mais de 45 anos, enquanto um a cada cinco já se encontra na faixa acima dos 65.
Entretanto, Quevedo vê uma demanda crescente do mercado pelas variedades nativas, o que poderia auxiliar a conter esse êxodo.
“Cresceu a demanda de batatas nativas para fazer vodka, pisco e macerados com ervas aromáticas, coisas que não se viam há 20 anos”, diz.
“Então a demanda de mercado pode incentivar a permanência de jovens no campo. Para isso, é preciso gerar mais oportunidades não só em Lima, que é na costa, mas também na serra”, propõe Quevedo.
Ainda assim, o engenheiro afirma que o último censo nacional é de 2012 e que o país carece de dados atualizados. Conforme ele, a área semeada de batatas nativas aumentou, mas não há dados para quantificar esse crescimento.
Quevedo afirma que a entrada de batatas nativas no mercado atacadista é um indicador positivo de alterações. Hoje, 30% do que ingressa diariamente para processamento já é de variedades nativas, compartilha o engenheiro do Minagri.
Hernán Hancco e sua família cultivam batatas nativas há gerações. Em 2015, decidiram tentar algo novo: produzir suas próprias batatas nativas chips.
Assim nasceu a Sumac Chips, nomeada em alusão à palavra em quéchua para “delicioso”.
Localizada no departamento de Cusco, a iniciativa agroindustrial emprega oito pessoas e envolve toda a família Hancco.
Sumac Chips produz de 1,5 a 2 toneladas de batatas chips por mês, que são comercializadas, principalmente, em feiras e diretamente aos produtores. Hernán se encarrega do processamento, enquanto seus irmãos e pais estão no cultivo no campo.
A família atualmente preserva mais de 450 variedades de batatas nativas, o que os torna um dos principais conservacionistas do Peru.
No início, o pai de Hernán, Julio, não queria que o filho continuasse na agricultura, devido à percepção de que havia poucas oportunidades no campo. Isso mudou em 2009, quando Hernán foi convidado à Terra Madre, uma feira global de alimentação na Itália, onde levou as papas chips nativas da família.
“A feira durava dez dias e o produto terminou em 30 minutos. Ali, vislumbrei uma oportunidade”, relata Hancco.
Na agroindústria, eles processam oito variedades. A agregação de valor ao produto é reconhecida como geradora de boas oportunidades no campo.
“Se vendemos batatas frescas, não há valor agregado. Por isso, muitos agricultores também decidem trabalhar com turismo, que tem maior valor agregado”, explica.
À medida que a região enfrenta temperaturas crescentes e menos chuvas, Hancco diz que é cada vez mais desafiador para sua família cultivar batatas, especialmente porque eles não utilizam agroquímicos.
Ainda há uma grande barreira para proteger a agricultura peruana das mudanças climáticas: o financiamento.
O país necessita apoio financeiro adicional de 50 bilhões de soles (aproximadamente US$ 13,4 bilhões) para a adaptação climática, segundo Berioska Quispe, diretora-geral de Mudanças Climáticas e Desertificação do Ministério do Ambiente do Peru.
A maior parte do financiamento provém de fundos de desenvolvimento internacional, especialmente de países como Suíça e Alemanha, assim como do Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund, em inglês).
“Há fundos públicos, mas insuficientes, e em muitos casos há muita burocracia e barreiras para que os povos indígenas possam chegar a eles”, afirma Quispe. “Por isso, nos apoiamos no financiamento por meio de cooperação internacional”.
Quispe afirma que um quarto da população peruana está dedicada à agricultura, mas que, em muitos casos, a vulnerabilidade a que está exposta é grande.
O Ministério do Ambiente peruano trabalha em conjunto ao Minagri para promover projetos que auxiliem na adaptação dos cultivos. Dada a importância cultural e econômica da batata ao país, este é um cultivo priorizado com “enfoque intercultural, intergeracional e de gênero”. Isto é, com a inclusão de mulheres, comunidades indígenas e campesinas e jovens nas políticas públicas.
Dentro das Contribuições Nacionalmente Determinadas (National Determined Contributions, na sigla em inglês, instrumento por meio do qual se mede as estratégias políticas relacionadas à adaptação e à mitigação das mudanças climáticas ante o Acordo de Paris), a estratégia peruana é conservar as variedades mais resistentes às mudanças climáticas.
“Há as que são mais resistentes ao frio, por exemplo. Assim, temos que buscar variedades que sejam mais resistentes às pragas e às doenças”, relata Quispe.
Enquanto o Ministério do Ambiente proporciona apoio técnico, o Minagri implementa os projetos e trabalha diretamente com os agricultores.
De acordo com Quevedo, agricultores já adaptam práticas agrícolas pensando em um futuro climático mais quente.
“Já se melhoraram as práticas agrícolas na pré-produção, como na preparação do solo e no controle de pragas”, explica.
Essas transformações são lideradas largamente por jovens agricultores, cuja tarefa é agora preservar a herança cultural das batatas nativas peruanas para as próximas gerações.
Finally…
…thank you for reading this story. Our mission is to make them freely accessible to everyone, no matter where they are.
We believe that lasting and impactful change starts with changing the way people think. That’s why we amplify the diverse voices the world needs to hear – from local restoration leaders to Indigenous communities and women who lead the way.
By supporting us, not only are you supporting the world’s largest knowledge-led platform devoted to sustainable and inclusive landscapes, but you’re also becoming a vital part of a global movement that’s working tirelessly to create a healthier world for us all.
Every donation counts – no matter the amount. Thank you for being a part of our mission.