Um mural de rua de Berta Cáceres, uma ativista ambiental hondurenha e defensora das terras indígenas que foi assassinada em 2016. Foto: Loz Pycock, Flickr

Por trás das cenas: os países mais letais do mundo para ativistas ambientais

Colômbia e Brasil são os países mais perigosos do mundo para quem defende a natureza. O que pode ser feito para proteger os ativistas?
18 fevereiro 2025

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Defender o planeta não é apenas um trabalho desafiador e árduo. A atividade também pode ser muito perigosa, especialmente na América Latina.

Em 2023, 196 defensores da terra e do meio ambiente foram assassinados no mundo todo – a grande maioria em territórios latino-americanos.

Apenas quatro países – Brasil, Colômbia, Honduras e México – responderam por mais de 70% desses assassinatos.

A Colômbia foi, de longe, o país mais letal, com 79 assassinatos, seguida pelo Brasil, com 25.

A América Latina há muito tempo é uma região perigosa para quem trabalha – e vive – para proteger rios, florestas, povos indígenas e afrodescendentes contra interesses corporativos, grupos do crime organizado e, muitas vezes, o próprio Estado.

Conversamos com alguns desses ativistas para entender melhor as ameaças que eles enfrentam, como se mantêm seguros e como o Brasil e a Colômbia tentam mantê-los vivos.

Quilombolas
Quilombolas do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, Brasil. Foto: Mídia NINJA, Flickr

Nos quilombos do Brasil, um estado constante de cerco

“Quando nos reconhecemos e nos declaramos um quilombo, nossa paz acabou”, relembra Elza*, líder quilombola brasileira de quase 60 anos.

Em dezembro de 2008, ela foi baleada em um ataque que matou seu irmão e sua irmã. Desde então, ela não sai de casa sozinha – nem mesmo para caminhar em seu próprio território, um dos 11 quilombos urbanos de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil.

Quilombos são comunidades afro-brasileiras originalmente fundadas por pessoas escravizados fugitivas na época colonial. 

Hoje, são oficialmente definidos como “remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

O Brasil reconhece os quilombos em sua Constituição desde 1988, mas o processo de obtenção do reconhecimento legal é demorado e, frequentemente, repleto de obstáculos.

A comunidade de Elza foi oficialmente designada como quilombo em 2005, mas seus moradores tiveram que abrir mão da metade do território, que já era visado.

Desde então, eles têm lutado contra a violência urbana e especuladores imobiliários que desejam o controle dos mesmos 58 hectares de terra que chamam de lar. 

Em 2022, eles foram novamente atacados. Homens armados apareceram em uma tentativa de tomar um projeto habitacional em construção no quilombo, que havia sido suspenso devido a uma disputa com o banco que o financiava.

Mais uma vez, a comunidade conseguiu se defender da invasão, que atraiu grande atenção da mídia, já que universidades, grupos de ativistas e outros quilombos se uniram a eles.

Após o ataque, a polícia intensificou a vigilância e as patrulhas na área, e o banco liberou os fundos restantes, permitindo que o projeto habitacional fosse concluído.

Elza e sua família são cautelosas ao falar com a mídia por medo de atrair atenção indesejada. Mesmo assim, a líder quilombola não perde o senso de humor.

“Minha filha vive dizendo que vai me comprar uma armadura para que eu possa andar pelo quilombo como fazia antes”, brinca.

Elza e uma de suas filhas, Carolina*, vivem sob proteção do governo brasileiro, que possui um programa para proteger defensores de direitos humanos, ambientalistas e comunicadores.

Carolina, que está na faixa dos 40 anos, toma medicamentos para lidar com o perigo constante. Ela acredita que as ameaças contra sua comunidade estão, também, enraizadas no racismo.

“Temos nossa identidade negra aqui, por isso querem nos varrer do território”, diz ela.

“O que nos ajudou a seguir em frente foram meus primos mais jovens – os filhos dos meus tios que foram assassinados”, relembra, refletindo sobre as consequências do massacre de 2008 e como isso mudou sua comunidade.

A família se considera defensora da terra ao invés de ambientalista. “Nunca me vi como ativista ambiental”, explica Elza.

“Apenas defendo meu território, o lugar onde nasci e vivo. Sempre precisei fazer isso de forma intuitiva.”

Jesus Pinilla
Jesús Pinilla lidera um workshop para a Rede de Jovens Guardiões do Atrato. Foto cortesia de Jesús Pinilla

Ativismo é muito perigoso para pessoas jovens?

Jesus Pinilla é um ativista afro-colombiano de 26 anos, originário de uma pequena comunidade no departamento de Chocó, no oeste da Colômbia.

Ele é membro da Rede de Jovens Guardiões do Atrato, grupo composto por 36 jovens que defendem o Rio Atrato – considerado o mais volumoso da Colômbia.

Em 2016, o Atrato se tornou o primeiro rio colombiano a receber direitos legais. Para garantir sua proteção, um grupo de 10 guardiões, junto aos Jovens Guardiões, trava uma batalha constante contra as empresas mineradoras que exploram suas águas.

Pinilla atua como educador ambiental. Ele começou sua militância aos 14 anos, mas teme que os riscos afastem muitos jovens dos movimentos ambientais e climáticos na Colômbia.

“Alguns têm medo de começar no ativismo por causa disso”, aponta ele.

“Sinto que a falta de segurança é um problema, especialmente para muitos jovens. Queremos trabalhar pelo meio ambiente, mas não vemos nenhum apoio do governo.”

Embora Pinilla nunca tenha sofrido ameaças diretas, ele afirma que a mineração ilegal gerou conflitos com comunidades locais e ativistas em sua região. 

Algumas empresas mineradoras usam maquinário pesado que polui o rio, afetando tanto a fauna e a flora, quanto os moradores que dependem dele.

Uma das formas que ele encontrou para conscientizar crianças e adolescentes foi por meio da arte e da música. Ele compõe alabados – cantos populares usados em cerimônias – para ensinar sobre a importância da preservação do Rio Atrato.

“Minha comunidade está localizada à beira do rio, então lidamos com ele diariamente”, diz ele. “Dependemos dele para nossas necessidades básicas.”

Polícia
O policiamento não é suficiente para enfrentar as ameaças enfrentadas pelos defensores da terra e do meio ambiente na América Latina. Foto: Agência Brasília, Flickr

O braço fraco da lei

Tanto o governo brasileiro quanto o colombiano possuem programas para proteger ambientalistas e defensores dos direitos humanos. O policiamento, contudo, não é suficiente: os criadores de políticas também precisam abordar as causas profundas do problema, que são únicas para cada país.

Na Colômbia, guerrilhas, paramilitares e carteis do narcotráfico estão envolvidos em um conflito armado contra o Estado e entre si desde 1964.

Esse contexto adiciona uma dimensão extra aos atuais conflitos fundiários do país, impulsionados pela mineração ilegal, pelo desmatamento e pela expansão da agricultura para a pecuária.

“Quando combinados com os interesses das comunidades, o conflito armado interno se torna ainda mais perigoso”, diz Leonardo González Perafán, diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), baseado na capital, Bogotá.

“É aí que entram as ações contra defensores ambientais e comunidades”, explica ele, acrescentando que os conflitos ambientais ocorrem com frequência em países ricos em recursos minerais.

Na maioria dos casos, as comunidades são forçadas a se auto-organizar para garantir sua própria segurança devido à ausência do Estado.

“Elas fornecem autoproteção por meio das guardas indígenas ou camponesas”, explica. 

As comunidades também desenvolveram estratégias de comunicação para compartilhar informações entre si, bem como com as autoridades e outras organizações.

Porém, enquanto o conflito armado persistir, será muito difícil para o governo enfrentar as ameaças sistêmicas contra os defensores ambientais, especialmente em áreas onde há pouca autoridade, afirma Franklin Castañeda, diretor de direitos humanos do Ministério do Interior da Colômbia.

Castañeda explica que mais de 15.000 pessoas estão atualmente protegidas pela Unidade Nacional de Proteção (UNP), que busca garantir a segurança de parlamentares, prefeitos, membros da sociedade civil, jornalistas, defensores dos direitos humanos, líderes comunitários e outros indivíduos que enfrentam ameaças devido ao seu trabalho.

A maioria – cerca de 9.000 – dessas pessoas são líderes sociais, incluindo defensores ambientais. A UNP lhes fornece medidas de segurança como coletes à prova de balas, escolta privada, veículos blindados ou outras medidas consideradas necessárias caso a caso.

Ainda assim, Castañeda enfatiza que a atenção individual é o último recurso. O governo também investiu em prevenção, como garantir que militares e policiais não estejam envolvidos em atividades ilegais.

“Hoje em dia, não temos registros – ou registros mínimos – que vinculem agentes do Estado a ações contra ambientalistas”, diz ele.

Outra medida foi ampliar o diálogo entre o governo e os movimentos sociais. Isso visa reduzir o estigma contra defensores da terra e do meio ambiente, que frequentemente são vistos como ameaças pelos governos e corporações devido ao seu ativismo.

Apesar desses esforços, Castañeda admite que ainda há muito trabalho a ser feito para enfrentar as causas estruturais do conflito, como os altos níveis de desigualdade socioeconômica.

“A maioria dos territórios onde surgem conflitos sociais são os menos desenvolvidos, onde o governo ainda não consegue chegar.”

Ele afirma que essas áreas precisarão de acesso à internet, rodovias e outras infraestruturas para melhorar a capacidade do governo de garantir segurança e o Estado de direito.

Quilombo
Um quilombo no sul do Brasil. Foto: Cândida Schaedler

Defendendo os defensores do Brasil

No Brasil, os principais motores dos conflitos são o desmatamento, a mineração ilegal, a especulação imobiliária e a expansão da agricultura.

Como resposta, o governo está apoiando 1.304 pessoas por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Muitas dessas pessoas protegidas são indígenas, quilombolas ou membros de outras comunidades tradicionais, incluindo Elza e Carolina.

O coordenador do programa, Igo Martini, enfatiza a importância de ouvir as comunidades para responder rapidamente às suas necessidades de proteção.

No ano passado, o programa realizou 54 consultas públicas para elaborar um Plano Nacional para enfrentar as ameaças a essas comunidades. Mas Martini também destaca a necessidade de abordar as causas estruturais, em vez de apenas mobilizar a polícia.

“Se não resolvermos as causas subjacentes, o programa continuará por mais 20 ou 40 anos apenas respondendo a emergências”, alerta. “É necessário um movimento dos estados também, não apenas do governo federal.”

“Precisamos fortalecer órgãos, sistemas de monitoramento e sistemas de prevenção, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por exemplo.”

O PPDDH atua em três frentes: proteção estatal, proteção judicial e proteção coletiva.

Enquanto a proteção estatal e judicial são oferecidas pela polícia e pelo sistema judiciário, respectivamente, a proteção coletiva envolve o fortalecimento das comunidades e o fornecimento de ferramentas para que se comuniquem entre si e relatem ameaças às autoridades, garantindo a segurança de seus territórios.

Isso não significa transferir a responsabilidade para as comunidades se protegerem sozinhas, explica o coordenador do PPDDH. “Mas, uma vez organizadas, elas podem repassar informações mais rapidamente às autoridades e à polícia”, afirma Martini.

Em Porto Alegre, por exemplo, a polícia local patrulha rotineiramente o quilombo de Elza e Carolina. Ainda assim, a família vive com o medo constante de uma nova invasão.

“Mas o que posso dizer?”, Elza completa. “Desistir jamais!”

Carolina reforça, por sua vez, que é importante lembrar do cenário maior e que há uma razão em compartilharem sua luta.

“Não podemos negar nossas histórias de dor, mas podemos evitar mais histórias de dor.”

*Os nomes foram alterados.

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