An artisanal fishing boat in Florianópolis. Photo courtesy of Leandra Felício Machado

No destino mais procurado do Brasil, pescadores artesanais buscam sobreviver

Em Florianópolis, a pesca artesanal enfrenta o turismo de massa e a crise climática.
26 março 2025

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Os olhos do pescador Adnir Ramos, de 65 anos, ficam nostálgicos e distantes quando ele recorda da abundância da pesca de quando era mais jovem.

Ramos começou a pescar aos 6 anos – quando pescou pela primeira vez um siri, na frente de casa, no canal da Barra da Lagoa, uma das localidades mais tradicionais de pesca em Florianópolis, capital de Santa Catarina.

Mais velho de onze irmãos, logo começou a trabalhar profissionalmente para ajudar na renda da família.

“Eu vivia numa época de muita abundância. Era indescritível.”, ele lembra. “Mas dos anos 1980 para cá, a gente não tem mais um quarto da tainha (espécie de peixe tradicional da cidade) que tinha. De repente, de uma hora para a outra, essa diversidade de peixes na água terminou”.

No Brasil, a pesca artesanal é uma prática ancestral passada entre gerações. Em Florianópolis, porém, destino mais procurado da América Latina neste verão, a atividade está sob ameaça por conta da pressão turística e das mudanças do clima

Ramos, que se aposentou em 2012, afirma que o crescimento do turismo e a gentrificação alteraram a localidade no leste da ilha catarinense.

Pescadores investiram em imóveis para alugar no verão ou sobrevivem na informalidade durante o período de defeso – quando não podem ir ao mar e recebem benefícios do governo.

“Hoje ninguém quer mais pescar, mas ter um restaurante e um barco e levar o turista”, diz. “Muitos pescadores utilizam a pesca como auxílio na renda familiar”, completa.

Mesmo assim, Ramos afirma que os pescadores não estão cientes de seu impacto ambiental.

“Mas não tá tudo perdido, a gente pode reverter muitos erros”, confia.

Cotas de pesca viram disputa política

O principal peixe de Florianópolis é a tainha (Mugil liza). O peixe se tornou um símbolo da cidade, e a atividade de pesca da espécie é considerada uma manifestação cultural que preserva tradições e celebra a conexão da comunidade com o mar. 

Porém, a tainha é severamente ameaçada devido à sobrepesca. Para permitir a sua regeneração, o governo federal impôs cotas de captura também a pescadores artesanais a partir deste ano. Embora abundante no Atlântico Sul, os estoques do sul do Brasil diminuíram significativamente.

Cotas de pesca são comuns em muitas partes do mundo, também na União Europeia, onde a cada estado-membro é alocada uma cota anual sob a Política Comum de Pesca.

Muitos pescadores estão descontentes com a medida, porque acreditam que ameaça uma ocupação já precária.

“Me limitam a trabalhar, e o que a gente quer é trabalhar”, defende a pescadora Leandra Felício Machado, diretora da Colônia de Pescadores Z-11, que representa a categoria da cidade de Florianópolis. 

“Nossa maior dificuldade na pesca artesanal é a política. Hoje, qualquer animal vale mais do que o pescador.”

Machado explica que pescadores já enfrentam dificuldade para se manter, considerando os custos de operação e de manutenção dos barcos e canoas.

“Tem dias que você paga para ir para o mar”, diz. “A manutenção é muito cara.”

Ivo da Silva, presidente da Federação dos Pescadores Artesanais de Santa Catarina (FEPESC), questiona os dados utilizados pelo governo federal para justificar a decisão.

“Queremos que uma pesquisa venha nos convencer [da necessidade de cotas]. Não há nenhum barco de pesquisa hoje em Santa Catarina, então é difícil aceitar a cota se sabemos que estamos no caminho certo”, afirma.

Ele também acredita que os métodos tradicionais de pesca merecem mais reconhecimento. Por exemplo, a modalidade arrasto de praia é enraizada em práticas indígenas.

Nela, os pescadores jogam uma rede no mar e a puxam com a ajuda de 20 a 60 pessoas, atraindo muitos turistas entre os meses de maio e julho, que é a época de safra.

“Toda a comunidade vai ajudar e sai com um peixe”, conta. 

A modalidade também recebeu uma cota de captura de 1.100 toneladas. A FEPESC demandava um número a partir de 1.200 toneladas.

O sistema de cotas ajuda na regeneração dos peixes?

O governo federal, por sua vez, argumenta que o processo decisório para imposição da cota de tainha foi participativo e contou com a sociedade civil. 

“O cenário de imposição de cotas é duro, nós fazemos ele com dor, mas com responsabilidade”, resume Adayse Bossolani da Guarda, coordenadora-geral da Gestão Participativa Costeiro-Marinho da Secretaria de Pesca Artesanal, vinculada ao Ministério da Pesca.

Ela lembra que espécies como lagosta e atum já têm cotas de captura em outras regiões brasileiras, inclusive respingando no trabalho de pescadores artesanais. A ideia é que, em alguns anos, com a recuperação dos estoques, a cota não seja mais necessária.

Guarda aponta que a imposição não foi estabelecida arbitrariamente, visto que discussões sobre a sua possibilidade estavam em andamento desde 2015, e que a pressão exercida pelos excessos da pesca industrial levou à medida.

“Mas a pesca artesanal também está pescando mais do que a espécie consegue se recuperar. Toda a metodologia usada considera as séries históricas e as projeções de estoque da espécie”, explica.

O oceanógrafo e professor da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Roberto Wahrlich, coordena o Projeto de Monitoramento da Atividade Pesqueira no Estado de Santa Catarina, que respalda as decisões técnicas do governo federal por meio do monitoramento da quantidade pescada no estado.

“É preciso sensibilidade para lidar com a pesca. Ela é um recurso natural renovável, mas, para ser renovável, precisa ser bem usado.”

Wahrlich comenta que não se observa variação contínua nos números de pesca, mas que grande parte das espécies comerciais estão em níveis de sobrepesca.

Um efeito visível das mudanças climáticas em Florianópolis é o declínio das espécies de águas frias, que estão migrando para outras regiões, enquanto as espécies de águas quentes, como o camarão e a corvina, tornaram-se mais prevalentes. 

“Os peixes não estão morrendo, mas mudando de lugar”, avalia.

Para Guarda, a alteração no comportamento de espécies já está no radar do governo federal. “Em alguns anos, vamos ter que rever alguns períodos de defeso”, afirma.

Leandra é diretora da Colônia de Pescadores Z-11. Foto cortesia de Leandra Felício Machado
Pesca em Florianópolis. Foto cortesia de Leandra Felício Machado

Turismo ainda não beneficia pescadores artesanais

Florianópolis é uma capital turística. A cidade tem 530 mil habitantes e, na temporada de dezembro a março, preparou-se para receber cerca de dois milhões de turistas – e esse fluxo maciço está afetando a pesca artesanal.

“O meu ponto de pesca está próximo às piscinas naturais, que está cheio de turistas. Se os turistas pulam na água, o cardume é espantado”, compartilha Machado.

Os pescadores também têm enfrentado problemas com surfistas e outros entusiastas de esportes aquáticos, diz Claudinei José Lopes, presidente da Associação de Pescadores de Costas de Santa Catarina e diretor de pesca e assuntos marítimos da Subsecretaria de Pesca de Florianópolis.

“Hoje conseguimos conviver em harmonia com surfistas e kitesurfing, após muitas reuniões e conversas”, conta.

Outro efeito colateral do turismo massivo é a especulação imobiliária. Construções ocupam, cada vez mais, espaços que eram destinados aos ranchos – locais em que os pescadores armazenam seus apetrechos durante a safra. 

Em resposta, pescadores estão solicitando ajuda financeira do governo local para a construção de estruturas permanentes que não sejam perdidas para a gentrificação.

Outra demanda é a construção de entrepostos – mercados em que os pescadores possam comercializar diretamente o pescado, sem a necessidade de intermediários.

Contudo, a falta de dados oficiais da safra de pesca artesanal também é um empecilho, uma vez que não há números para apoiar as suas demandas. Os dados disponíveis são os da pesquisa de Wahrlich, que muitos pescadores contestam por fornecer subsídios à tomada de decisão do governo federal.

“Queremos mostrar que Floripa não sobrevive somente do turismo”, afirma Lopes.

Muitos pescadores, entretanto, encontraram trabalho informal na alta temporada de influxo turístico.

“Nós ainda temos várias famílias aqui na ilha que vivem exclusivamente da pesca, só que chega na época do verão e eles ganham no transporte e fazendo turismo de alguma forma com os barcos”, lembra Nei.

Um dos efeitos mais visíveis do turismo crescente é a realocação dos pescadores de seus territórios.

Arrasto de praia fishing em Barra da Lagoa Florianopolis. Foto: Leandra Felício Machado

“Os pescadores que persistem na atividade da pesca encontram cada vez mais o uso compartilhado do mar. O turismo náutico compete espaço”, diz. “O turismo chega sem considerar o pescador, porque o nosso turismo não tem planejamento, é de ocupação”, resume.

Wahrlich lembra que os pescadores deveriam ter seus territórios de pesca reconhecidos. “Tudo o que acontece ali [nos ranchos] deveria passar por uma avaliação”, sugere.

Silva, por sua vez, complementa que o governo local pode fazer mais para equilibrar as demandas turísticas e a pesca artesanal.

Ele argumenta que o turismo deve preservar as tradições pesqueiras, uma vez que é a experiência autêntica que os visitantes brasileiros e muitos europeus buscam em Florianópolis.

“O que defendemos é que o turismo pode caminhar junto com a pesca”, sugere o presidente da FEPESC. “Para isso, queremos que seja incentivada a preservação da cultura e as práticas tradicionais dos pescadores”.

No entanto, a alteração da paisagem já apresenta desafios. Ele exemplifica que muitos pescadores sabem como será a safra pelo comportamento da natureza.

“É possível saber se a safra vai ser boa porque os espinheiros estão floridos. Onde estão os espinheiros? É tudo arranha-céu!”

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