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Por Maurício Angelo
Esta reportagem foi produzida em colaboração com a Mongabay para aumentar a conscientização sobre tópicos relevantes para a próxima Conferência Digital Global Landscapes Forum Amazônia: Ponto de Inflexão (21 a 23 de setembro de 2021).
Uma série de estudos científicos recentes tem comprovado metodologicamente o que os produtores já sentem na prática: para garantir a produção brasileira de grãos, é preciso acabar com o desmatamento.
É o caso da soja, oleaginosa da qual o Brasil é o maior produtor mundial, com 36 milhões de hectares cultivados e 135 milhões de toneladas produzidas anualmente, que representam 37% do mercado global.
Mas essa expansão dramática da soja nas últimas 2 décadas, feita às custas do desmatamento no Cerrado e na Amazônia, tem um efeito direto: a própria sobrevivência do agronegócio depende se rever a destruição do meio ambiente como política em curso.
Os estudos “Conserving the Cerrado and Amazon biomes of Brazil protects the soy economy from damaging warming”, publicado na World Development, e “Deforestation reduces rainfall and agricultural revenues in the Brazilian Amazon”, publicado na Nature, são categóricos.
O calor excessivo e as secas prolongadas, aceleradas pelo desmatamento recorde, já estão afetando drasticamente a produtividade do agronegócio e reduzindo o regime de chuvas em regiões como o sul da Amazônia e o Matopiba no Cerrado (área de confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
As perdas se acumulam: somadas as previsões dos dois estudos, baseadas em modelos analíticos que levam em conta dados das últimas décadas e preveem o que pode acontecer no futuro, o agronegócio brasileiro pode perder mais de 4,5 bilhões de dólares por ano, em uma estimativa conservadora.
É o “agro-suicídio” que os pesquisadores têm alertado. Ou seja: a expansão desenfreada e pouco inteligente da produção massiva de commodities agrícolas está destruindo a produtividade e o lucro do próprio agronegócio.
Quem paga essa conta, além dos produtores, é a sociedade brasileira e o mundo. São inúmeros os impactos no clima, na biodiversidade, na vida de comunidades locais e nas alternativas possíveis que são destruídas com o rápido desaparecimento de biomas.
Trata-se de um cenário em grande parte irrecuperável e que tende a comprometer gravemente a já escassa possibilidade de que o mundo consiga frear as mudanças climáticas, de acordo com o último relatório do IPCC, lançado no início de agosto.
“O desmatamento na Amazônia e no Cerrado tem um efeito no clima local que agrava ainda mais os efeitos das mudanças climáticas globais na agricultura da região”, afirma Gabriel Abrahão, pesquisador que participou dos dois estudos e é vinculado ao Potsdam Institute for Climate Impact Research, na Alemanha.
Se o desmatamento continuar descontrolado, os efeitos locais no clima se somam às mudanças globais e pioram bastante as previsões feitas pelos pesquisadores, aumentando essa perda para 9 bilhões de dólares por ano em 2050.
“Já está demonstrado que aumentar a produção agrícola para atender as demandas de uma população crescente nas próximas décadas é possível sem precisar desmatar nem mais um hectare, somente recuperando e melhorando a utilização das nossas pastagens já existentes”, afirma Abrahão.
Um dos caminhos possíveis para isso seria adotar a moratória da soja no Cerrado, inspirada na moratória da Amazônia, que passou por um longo debate e foi abandonada porque grandes fazendeiros não quiseram se comprometer com a redução do desmatamento.
A pressão de empresas europeias, que se negam a comprar soja de áreas desmatadas, está na mesa, diante da desastrosa política ambiental do governo Jair Bolsonaro, apoiado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), maioria no Congresso.
Para Abrahão, a moratória da soja na Amazônia foi um grande sucesso, e é um exemplo mundial de política ambiental do setor privado. “Ela não só deveria ser estendida para o Cerrado, mas algo semelhante deveria ser implantado para a produção de carne bovina, o que teria um efeito enorme na redução do desmatamento nos dois biomas”.
A soja já representa 49% da área plantada no Brasil e 41% da receita do agronegócio. Os estudos comprovam que preservar os biomas é a melhor maneira de garantir a sustentabilidade das lavouras tanto hoje quanto no médio e longo prazo.
Por mais que o cenário local e global seja ruim e que metas como limitar o aquecimento do planeta a 1.5º ou zerar o desmatamento não estejam mais ao alcance, é sempre melhor fazer algo e evitar uma catástrofe maior do que não fazer nada.
“Talvez não haja mais tempo de reduzir o desmatamento a tempo de preservar algumas espécies ou de impedir que determinadas regiões tenham sua produção muito prejudicada, mas menos é sempre melhor. E reverter qualquer um desses impactos ambientais é bem mais difícil e oneroso do que evitá-los”, crava Abrahão.
No caso de produtores que usam sistemas de dupla safra o quadro pode ser ainda pior. Em boa parte do Brasil, os fazendeiros aproveitam a estação chuvosa muito longa para plantar duas culturas no mesmo ano, como soja seguida de milho. Mas as mudanças globais no clima e o desmatamento vêm encurtando a estação chuvosa em regiões chave, como o Matopiba e o leste de Mato Grosso.
Neste cenário, os produtores podem ser forçados a abandonar esses sistemas altamente lucrativos e plantar só uma cultura por ano, muitas vezes perdendo quase metade da receita.
“Já existem relatos de produtores encontrando dificuldades pra manter esses sistemas por causa da demora no início das chuvas. Com o desmatamento desenfreado e as emissões de gases de efeito estufa esses sistemas devem se tornar inviáveis em cada vez mais lugares nas próximas décadas, começando pela região na fronteira entre Mato Grosso, Goiás e Maranhão”, ressalta Abrahão.
É o caso de Cássio Sitta, produtor de 34 anos que tem uma fazenda de 4.200 hectares em Rio Verde, Goiás, onde planta soja, milho, algodão e feijão. Membro de uma nova geração de produtores mais preocupados em reduzir os efeitos das mudanças climáticas, Sitta lembra que, tanto por sua memória de infância quanto pelos relatos do pai, que chegou na região nos anos 80, tendo em vista o quadro atual, a mudança no regime de chuvas é notável.
“Tínhamos períodos maiores de chuva. Durante algumas semanas chovia todo dia, em grande volume e hoje isso não acontece mais”, relata Sitta, que fez mestrado em Produção Vegetal na Universidade de Rio Verde.
Esse ano, por exemplo, a chuva atrasou muito, o que impactou diretamente no plantio da safra. Somado aos períodos de calor extremo e seca prolongada, o resultado é a perda da produtividade. Para o milho, Sitta estima de 30 a 40% abaixo do normal. Para o feijão, até 50%. A soja também foi afetada, embora menos.
Os produtores na região, conta, dependem da chuva. O uso de irrigação é incomum. “Precisamos, sim, nos preocupar com as mudanças climáticas e buscar soluções”, finaliza Sitta.
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Citações memoráveis da conferência digital do GLF Amazônia.
O dia 3 do GLF Amazônia destaca a necessidade de vincular os sistemas ecológicos e sociais da Amazônia nas políticas.
Dia 2 do GLF Amazônia examina o vínculo entre as cadeias de abastecimento e os meios de subsistência dos povos da Amazônia.